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segunda-feira, 28 de julho de 2008

Dia da Avó

Só hoje descobri que ontem foi o Dia da Vovó. "Mais uma invenção do mercado publicitário/comércio/sistema capitalista para nos fazer gastar dinheiro", diriam alguns. E não deixa de ser verdade. Mas é bem verdade também que é muito bom ter esses dias pra homenagear pessoas queridas.
Meus filhos têm ótimas avós. Longe da imagem de vovó fazendo tricô, elas são muito participativas na vida dos três. Elas não têm toda a disponibilidade de tempo que as avós de antigamente tinham, mas em compensação têm disposição de sobra pros netos. Palmas pra elas! Que Deus proteja e abençoe as avós - santas padroeiras do domingo à tarde! Mas eu queria falar mesmo era das minhas avós.
Minha avó Lourdes, mãe da minha mãe, era paraense de Itaituba. Dura. Seca. E um amor de avó. Sabe-se lá como, ela conseguia nos encher de carinho sem dizer uma só palavra de afeto. Seu amor era externado em comidinhas, preocupações exageradas e sermões intermináveis. Grande parte da minha infância passei na casa dela, na rua Breno Pinheiro. Houve uma época em que todas as tardes minha mãe me deixava lá quando ia trabalhar e só me pegava a noite. Os fins de semana eram sempre com ela. Achando pouco, acabei me mudando pra lá sob a desculpa de morrer de alergia a poeira, numa época em que minha casa estava sendo reformada. A reforma acabou e meu pretexto também, mas volta e meia eu tava pela casa dela. Nas férias, me mudava de mala e cuia pra casa que ficava a no máximo 3 quilômetros da minha.
Da sua história sei pouco: algo que ouvi ali, um cochicho que pesquei acolá. Vovó Lourdes perdeu a mãe muito cedo - acho que aos 15 anos. Como irmã mais velha, assumiu a criação dos quatro irmãos. Cedo casou, em circunstâncias não muito felizes, como fiquei sabendo depois. Teve doze filhos, dos quais oito vingaram. Gravidez de gêmeos, ela teve duas. Duas meninas vingaram. Duas, não. O primeiro filho também morreu, aos 7 anos de vida. Uma outra menina morreu ainda pequena, assim como as primeiras gêmeas. Lembro de ouvir pedaços dessas histórias quando era criança e de imaginar essa vida, a vida da minha avó, como um filme. O enredo me parecia tão distante da realidade que eu vivia naquela casa...
Sem dúvida a maior referência feminina que tenho na vida é ela. Às vezes me pego reclamando à toa e penso o quanto a vida deveu à minha avó em felicidade e paz. O quanto eu tenho de amor e companheirismo que ela jamais imaginou ter. Quanto desamparo ela deve ter sentido ao longo da vida, enquanto eu sigo protegida e amada na minha vidinha trivial.
Mais que tê-la como referência, tenho dona Lourdes correndo em cada micro-vaso do meu corpo. Meu jeito turrão e briguento, minha tendência centralizadora e dominadora, meu ceticismo em relação à vida vieram dela. Porque nunca me iludi: minha avó era uma anti-Pollyanna. Ela apenas tinha aprendido a domar as expressões de absoluta desilusão com o mundo - coisa que eu ainda não consegui.
Eu tinha acado de ter meu primeiro filho quando ela adoeceu. Me sentia a própria dona da vida, capaz de gerar e amamentar um ser, quando minha avó foi diagnosticada com câncer. Quinze dias depois ela morreu. No dia seguinte Pedro fez um mês. E eu descobri que de nada adiantava ser capaz de gerar vida se não era capaz de barrar a morte.
Outro dia me peguei pensando que eu não tenho mais avós, de nenhum lado. E que meus pais e tios são, portanto, os mais ve

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Do ofício de escrever

Eu gosto de palavras. Escritas, faladas, subentedidas, nas entrelinhas. Palavras têm uma concretude e, ao mesmo tempo, possibilidades infinitas. A máxima de que uma imagem vale mais que mil palavras é facilmente derrubada pelo fato que numa palavra cabem milhões de imagens. Tem algo mágico na maneira como as palavras se unem que vai muito além do sentido expressado, passa pela sonoridade, mas reside num não-sei-quê que nos seduz sabe-se-lá porquê.
Entrevistando um artista plástico há muitos anos atrás, entendi um pouco de seu processo criativo que começava com uma idéia vaga do que iria pintar, um sentimento tal que precisava expressar. Depois vinha a definição das cores, de acordo com as sensações que lhe causavam. Começava então a pintar, escolhendo os pincéis num processo meramente intuitivo. No meio do processo, com a pintura mais ou menos definida, ele finalmente sabia onde estava indo. E era esse o momento que considerava mais difícil: consciente de suas intenções, corria sempre o risco de se deixar levar por escolhas racionais e abandonar seu objetivo inicial que, embora não soubesse a princípio qual era, guiava suas pinceladas.
Mas o que isso tem mesmo a ver com as palavras? Na verdade, reconheci a minha maneira de escrever nas palavras do pintor. Começo a escrever pelo prazer e necessidade de unir as palavras, de torná-las de alguma maneira interessantes. A escrita, pra mim, vem dessa necessidade de transformar palavras estéreis em realidade, mesmo que eu não saiba inicialmente que realidade é essa. E ela vai se formando à medida em que escrevo, meio que sem a minha participação racional. Em algum ponto descubro sobre o que realmente estou falando, e preciso barrar a lógica para ir aonde meus sentimentos mandam.
Alguém já disse que escritor é alguém para quem escrever é mais difícil que para as outras pessoas. Discordo. Para o escritor, escrever é mais necessário que para qualquer outra pessoa.

terça-feira, 1 de julho de 2008

Outras Palavras

Retrato
Eu não tinha esse rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas,
eu não tinha este coração
que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança
tão simples, tão certa, tão fácil.
Em que espelho ficou perdida minha face?"
Cecilia Meireles
E depois de Cecília, quem se arriscaria a falar?