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sábado, 12 de outubro de 2013

Numa noite qualquer

Ela era inábil com as palavras faladas. Não sabia, não conseguia, se atropelava, atropelava os outros, falava em um milhão de rotações por segundo, abria um zilhão de links e no final não dizia nada. Ela não sabia falar, embora (ou talvez porque) falasse tanto. E certamente por isso escrevia. E, sim, escrevendo sempre conseguiu se entender com outros seres humanos. Até o dia em que travou numa frase dele que piscava na janela do bate-papo. Frase ou intimação? Nem sabia. Apagou. Pra nunca mais ter que ler. Antes, deu pulos de alegria, administrou uma fisgada no estômago e quis ligar pro melhor amigo na Terra. Respirou 457 vezes, não ligou pra ninguém, não respondeu nada e emudeceu. Desligou o computador e o coração. E foi sambar. Porque o que não se resolver com samba, nem reza braba resolve. Convenientemente esqueceu o celular em casa também. Não estava triste, nem com medo, nem sei-lá-o-que-mais poderia estar. Ela simplesmente não estava. Aliás, ela simplesmente não está. E talvez ela simplesmente nunca esteve, embora quisesse tanto estar. As coisas são exatamente o que elas são, independente da nossa necessidade de acreditar que estamos no controle. E ela ultimamente tem optado por não ter controle de mais nada, nem mesmo de seus passos que tentam sambar sem saber. Mas tem ainda uma pontinha dela que desenha porquês nos muros dos sonhos, e que acorda assustada pensando que poderia ser mais simples. Mas que volta a dormir sem resposta e que, no final das contas, entendeu que a incerteza é bem mais rica que qualquer resposta.