Páginas

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Zzzzzzzzzzzzzzzzzz...

Eu tenho péssimo sono. Demoro a pegar no sono e, quando consigo, tenho sonhos perturbadores e intensos. Sou também péssima companhia pra dormir: me mexo a noite toda, puxo o lençol, dobro as pernas pra cima (eu durmo de bruços), falo e canto, converso ao telefone (mesmo que depois não lembre nadinha). Isso tudo acontece numa noite "normal". Nas noites de pesadelo, acordo invariavelmente chorando. Houve uma época também que eu rangia os dentes durante o sono.
Talvez por nunca me entender com Morpheu é que eu admiro e curto tanto o sono tranquilo dos meus pequenos. Tenho mesmo que usar um clichê aqui: os três dormem como anjos. Pedro (que já nem é tão pequeno) sempre pegou no sono tão rápido, mas tão rápido, que cheguei a levá-lo a um neurologista porque eu  achava absurdo que ele não conseguisse terminar uma frase sem cair dormindo, na hora em que o sono vinha. Zé é um pouco mais agoniado pra dormir, é a "porca que fuça": se mete embaixo do meu braço, procura espaço nas brechas, quer se sentir aninhado, me deixa toda roxa de cotoveladas. Mas depois que pega no sono não tem o que lhe acorde. Tonton detesta chamego na hora de dormir. "Mãe, sai da minha cama. Tu é quente!" Vira pro lado e dorme tranquilo seu sono de pequeno guerreiro.
A imagem dos três dormindo é das coisas mais lindas que há no mundo. Não tem aurora boreal ou neve caindo em Kyoto que ultrapasse a visão daquelas carinhas dormindo tranquilas. E de vez em quando me pego de olhos marejados, pensando que qualquer dia desses não vou mais vê-los dormindo pertinho de mim assim.

sexta-feira, 25 de maio de 2012


A culpa deve ser do senhor Antoine De Saint-Exupery. Didn't ring a bell? O autor do livro preferido das candidatas a miss, O Pequeno Príncipe. E, sim, quem no mundo não leu esse clássico? E quem não sabe de cor algumas frases do livro? Pois é. Voltando à culpa do autor, lembro de uma frase do livro que é repetida à exaustão e vive enfeitando murais e perfis em tempos de redes sociais: "tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas".
Pois, minha gente, eu adoro O pequeno príncipe, mesmo detestando os concursos de miss e tudo o que eles representam. Mas não consigo engolir essa frase de jeito nenhum. Ou então acho que as pessoas acabaram entendendo errado o que o tal Saint-Exupery queria dizer. Porque, convenhamos, eu não sou responsável pelo  que ninguém sente, eu não posso ser responsabilizada pelo que vai no coração de outra pessoa, e, pra falar a verdade, às vezes não me responsabilizo nem pelos meus sentimentos. Aí a pessoa lê O Pequeno Príncipe, sai arrotando trechos e joga na tua cara que você é responsável pelo seu estado de lamúria. Como assim, Bial? 
Não quero parecer cruel ou insensível. Ao contrário, sou uma feliz habitante do mundo saltimbancos, no qual as pessoas sempre cuidam umas das outras. E é exatamente por isso que eu acho que é preciso flexibilizar os conceitos de responsabilidade e cativar. Porque se a gente fala em responsabilizar alguém significa que não tivemos participação nenhuma no processo, né? Parece que não nos colocamos à disposição pra que os sentimentos fossem cultivados. Da mesma maneira, o que mesmo significa cativar? Tratar bem é cativar? OK, agora seremos todos lixas 40, tratando mal uns aos outros. Atender ligação é cativar? Então vamos todos nos negar a atender uns aos outros, a dizer uma oi, a dar apoio na hora em que alguém necessita. Sei não, mas tenho impressão que Saint-Exupéry tinha outra coisa em mente quando colocou essa frase na boca de uma raposa. Podia ser um ursinho fofo, podia ser um gatinho, mas ele escolheu uma raposa pra falar nisso, né?

terça-feira, 22 de maio de 2012

Pelo dia do abraço

Pro frio, abraço de urso, com braços longos e peito macio pra minha cabeça encostar.
Pro calor, abraço de dorso nu, e suor de cansaço.
Pra chegada ao aeroporto, abraço de quebrar costelas, de matar saudade, de sufocar.
Pra o dia começar,  abraço com braços, pernas e esfregar de olhos - abraço com cheiro de preguicinha.
Pra noite que segue calma, abraço de filho com a bunda gelada do xixi que escapou.
Pra desolação de me perder no mercado, abraço de pai, que ainda podia levantar meus pés do chão.
Pra choro convulsivo, abraço de  camisa-de-força, que me controla os espasmos e me devolve a calma.
Pro Gilberto Gil, aquele abraço.
Pra você que me esqueceu, o mesmo passo, em fevereiro, abril ou março.



Para uma amiga catadora de estrelas

Com olhos doces, ele dizia: “Então, você vai ou não vai fazer o que te pedi?” Ela relutava, achava bobagem, dizia que perderia tempo com isso. Mas ele insistia: “Nunca te peço nada. Custa alguma coisa fazer isso?” Ela mudava de assunto. Ele achava um jeito de encaixar de novo seu pedido no meio da conversa banal. Ela, pra encerrar o assunto, acabava cedendo: tomava empuxo, dava um enorme salto, saia flutuando até o céu e voltava com as mãos em concha, trazendo a prenda pedida. Ele, vaidoso e feliz, colava a estrela a sua farda, e a exibia cheio de orgulho.


Noite após noite, o ritual se repetia, embora ele sempre alegasse que nunca pedia nada. Até que, em uma noite particularmente fria, ele lançou mais uma vez o olhar doce sobre ela. Já meio cansada da brincadeira e com a preguiça que mora embaixo das cobertas colada à sua pele, ela já ensaiava dizer não. Mas dessa vez não era uma estrela o que ele queria. Apesar do aspecto etéreo, ele padecia da mais mundanda das necessidades: tinha sede, uma sede daquelas que parecem não cessar nem com toda a água do Amazonas descendo goela abaixo.

- Um copo d’água? É só isso que você quer?
- Uma jarra seria melhor.
- Mas nesse frio... Não saio mais debaixo desse cobertor, não!                                                        
Ele insistiu. Ela negou. Ele pediu mais uma vez. Ela fingiu que não ouvia. Ela virou pro lado e dormiu, abraçada com sua preguiça. Ele virou fera e sumiu, abraçado com sua carência.

domingo, 20 de maio de 2012

Esse foi mais um dos incontáveis domingos em que almocei na casa dos meus pais. Mais uma vez cheguei à casa onde cresci e os encontrei sentados na mesa  do terraço, cercados de jornais e revistas, esperando a chegada dos netos. Mas hoje, ao entrar, fui interpelada pela minha mãe sobre uma questão da família que eles estão vendo como resolver. O tom com que ela perguntou e a maneira como ambos me olhavam deixou claro que, se não tinham feito uma aposta em relação à minha resposta, ao menos tinham discordado entre eles sobre qual seria. Na lata, respondi o que já havia dito antes: "sim, eu acho que a decisão mais acertada é essa". Ao que imediatamente se seguiu a típica coçada de orelha do papai e o olhar triunfante da minha mãe: "Eu disse - a Clarissa é prática!"
Como domingo é dia de pensar besteira, me peguei sentada naquela mesa pensando quão prática sou de fato. Sei que tomo decisões de forma rápida, que sei desmembrar problemas pra resolvê-los aos poucos, que invento estratégias pra driblar empecilhos. Mas ser prática me parece bem mais que isso. E eu não acho no mundo o que justifique determinadas atitudes que tomo e que só complicam ainda mais minha vida. A verdade é que habito as zonas cinzas da vida, embora sempre tenha sonhado com o mundo em preto e branco.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

terça-feira, 15 de maio de 2012

Leiloam-se sentimentos, dos mais nobres aos mais vis.Tem amor, tem ódio, tem ternura e tem rancor, tem desejo e repulsa, tem medo e tem pavor. Leiloam-se pedaços de vida: domingos de preguiça, finais de semana na praia, lágrimas abundantes e gargalhadas de delícia, músicas e planos compartilhados. Leiloam-se vidas, assim entre o capão assado e o bolo de milho, no burburinho da quermesse: "quem dá mais? quem dá mais? façam seus lances!"
Fazemos qualquer negócio. Aqui quem manda é o freguês. Não deu seu lance ainda? Cuidado, ou você perde a vez.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

90 anos

Para a geração de sobrinhos-bisnetos, ela é a Teté. Para os sobrinhos-netos ela é a Dinda ou Cuncun. Pra mim , é a Cunca. Pra minha irmã, Ninica. Pros sobrinhos, ela é a Mirica e já havia sido chamada também de Mã-an. Na certidão, seu nome é Miriam Lages de Mesquita. É a irmã mais nova da minha avó, e ontem completou 90 anos, durante os quais ajudou a criar sobrinhos, sobrinhos-netos e sobrinhos-bisnetos. No meio tempo, toma sua cervejinha, canta num coral e conta piada imoral. Toda vez que vejo o programa da Sue Anderson, imagino como as duas seriam grandes amigas, caso se conhecessem.
Teté é hoje a pessoa mais velha da família e não tenho dúvidas de que é também a mais querida por todos. É aquela tia que sempre tem bombons, pirulitos e brinquedinhos escondidos em seu armário, pra dar pras crianças (muitas) que visitam sua casa. 
A casa dela é a perfeita tradução da expressão "casa da mãe Joana": todo mundo entra e sai na hora que quer e cada uma tem uma chave do portão. Semanas atrás passei por lá pra tomar um café e conversar com ela, que cumpre também o papel de relações públicas da enorme família Mesquita: informa como estão os parentes de fora, lembra que naquela semana tem o aniversário de A ou B, etc. Eu tava bem naquele momento horroroso de finalizar a dissertação, e sem a menor paciência pra olhar pro computador. Depois de tomar um cafezinho com ela e conversar amenidades, voltei pra minha casa. Mal cheguei, ela me ligou pra perguntar se eu tava bem, porque ela tinha percebido pelo jeito que eu entrei que eu estava preocupada..É ou não é um tesouro uma Teté dessas?

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Eu gosto de usar anéis. Embora não consiga mantê-los nos dedos por muito tempo e sempre retire-os na hora de digitar, de escrever, de comer, de dormir, etc, eu gosto de como minhas mãos se comportam com anéis pesando em seus dedos.
Eu tive três anéis que me marcaram muito: perdi dois e deixei de usar um deles.
Quando eu tinha uns quinze anos, ganhei de um amigo um anel de lua e estrela - aquele típico souvenir de Canoa Quebrada. Na época, me pareceu muito especial ser a "menina do anel de lua e estrela", da música do Vinícius Cantuária. Passei anos usando esse anel no dedo médio da mão esquerda, e acreditando que eu era tudo aquilo mesmo que a musa do Cantuária parecia ser pra ele. Um dia perdi o bendito anel no mar, em Barra Grande. Chorei desconsolada, voltei pra barraca, comi uma corda de caranguejo e esqueci. E assim deixei de ser a menina do anel de lua e estrela, embora confesse que ainda adoro a música.
Anos depois, eu mesma mandei fazer uma dupla de anéis nos quais se lia, recortado na prata, o nome Luiz. Assim, eu e meu ex-marido passamos a usar, junto com as alianças de ouro branco, um anel de prata com o nome que é comum aos nossos filhos. Era comum que as pessoas me perguntassem se Luiz era o nome do meu marido, mas absurdamente engraçado era o olhar que as pessoas colocavam no meu ex-marido quando o viam usando um anel/aliança com outro nome masculino. A gente bem que se divertia com a ideia do bofe Luizão. Esse anel eu não perdi, mas parei de usar ao me separar. Embora seja mais uma aliança com meus filhos e com o fato de que somos pai e mãe, achei por bem guardá-lo depois da separação.
Mas o último anel pelo qual me apeguei ainda me faz uma falta danada. Não tinha nenhum significado especial, fora o fato de ter vestido meu dedo como uma armadura. Nele, lia-se amor, energia, força e equilíbrio. Embora tenha sido comprado aqui mesmo em Teresina, as palavras estavam escritas em italiano. Durante uns 3 ou 4 anos usei-o diariamente e já estava tão acostumada a seu peso na minha mão esquerda que tem horas que parece que me falta um osso. Eu já o havia perdido antes, em uma situação trágico-cômica que acabou, graças à gentileza e educação alheias, sendo resolvida. Mas dessa vez foi pra sempre, e de maneira bem sintomática. Era sábado de carnaval e, depois do Sanatório, fui comer pizza com filhotes e amigos. No dia seguinte de manhã não achei mas meu anel no lugar de sempre, na pia do banheiro. Não sei até hoje se o esqueci no banheiro da pizzaria ou se, ao encontrá-lo na pia do banheiro, Tonton decidiu brincar com ele e acabou derrubando no vaso. Foram-se os anéis, ficaram os dedos. Foi-se esse anel, ficou aqui força, amor, energia e equilíbrio.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Enfim, mestra!


Eu não lembro onde vi isso – se num filme, livro, série, sei lá – mas uma pessoa desenhava um semi círculo e dizia pra outra: “Olha isso. Não te dá agonia ver esse círculo aberto, sem fechamento?” Isso faz muito, muito tempo, tanto que nem lembro mesmo onde foi, mas o fato é que a ideia de um círculo aberto, de um processo que não finaliza, me dá uma gastura absurda.
Iniciar processos é coisa fácil. Difícil mesmo é finalizá-los. Mais difícil ainda é finalizar bem, colocar o fecho de ouro branco que coroa a dedicação que foi dada ao processo como um todo. O fato é que ando bem feliz esses dias por ter conseguido finalizar o mestrado, defender a dissertação, fechar essa etapa. Não é só a sensação do dever cumprido, mas a certeza de ter feito o melhor diante do que eu tinha disponível.
Pensando ainda na imagem do círculo, me dou conta de que pra fechar é preciso voltar ao início. E, de certa forma, fechei essa círculo exatamente como comecei: com a alma leve e o coração aliviado.