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sábado, 9 de agosto de 2014

Feliz Rio

Semana passada peguei um voo pro Rio de Janeiro. O primeiro voo depois daquele 7 de abril. Na hora do check in, a pergunta: contato de emergência? A resposta automática não saiu, e um trailer do que seria emergência passou pela minha cabeça: queda do avião, um mal estar durante o voo, invasão extraterrestre, sequestro terrorista... "Não, nenhum contato de emergência".

Desembarquei naquela cidade que eu aprendi a amar lembrando da conversa que tivemos em fevereiro do ano passado. Eu me preparava pra mudança e pro doutorado como um boi indo pro matadouro. Chorava pelos cantos. Me perguntava o que diabo eu tava fazendo da minha vida. Você, como sempre, não emitia opinião ou, pior, quando dizia alguma coisa era sempre pra zombar do meu drama. Um domingo, enquanto lia o jornal no terraço, me disse duas frases que mudaram meu estado de espírito: "Não tem como você não gostar do Rio de Janeiro. O risco é não querer voltar nunca mais". E daí danou a contar do período em que você viveu na cidade maravilhosa. Eu sabia muito pouco dessa época da sua vida, antes de conhecer a mamãe. Foi nesse dia que me contou que tinha morado no Catete, perto de onde eu moraria, que frequentava o restaurante Calabouço, que adorava o filé Osvaldo Aranha do Lamas. Coincidência feliz: um dos primeiros lugares pra o qual me levaram ao chegar no Rio foi ao Lamas. Coincidência ainda mais feliz: eu morava a poucos metros desse restaurante e curei muita saudade com canja e muita fome com o filé que era seu preferido.

Em julho eu tava em Teresina de férias, feliz pelo descanso mas, principalmente, por não estar na cidade chuvosa e entupida de gente com a chegada do papa Francisco. Eu já achava que o Rio era meu e as hordas de turistas me incomodavam. Eu já tinha aprendido a regular meu humor pelo sol e o Cristo encoberto me deixava de TPM. A chuva, que eu gostava tanto, já tinha ganhado outro significado pra mim. Assistimos à chegada do papa pela TV, em Teresina. Mentira. Você e mamãe assistiram a chegada do papa. Eu assisti vocês assistindo e cantando o hino do Vaticano. E assisti também você falar mais um pouco daquelas ruas por onde o papa móvel passava. Nesse dia, tenho certeza, você falou o nome da rua que morou, no Catete. Mas eu não lembro. Quinta-feira subi e desci as ruas do bairro, tentando ler um nome que acendesse uma lâmpada aqui dentro. Nada. Cansada, decidi que era a Bento Lisboa. Caminhei quase até Laranjeiras achando que em algum prédio seu nome iria piscar pra mim. Sentei na praça São Salvador e chorei pela informação perdida, por essa parte sua que eu não sei. Chorei por todos os outros pedaços da sua vida que eu não tenho mais como saber. Chorei por não ter prestado mais atenção, por não ter insistido mais, por não ter perguntado mais, por ter respeitado demais seu jeito silencioso. Fantasiei que você tinha um diário e que eu ia encontrá-lo e ler tudo da sua vida, desde quando você nasceu. Porque, claro, no meu devaneio, você já nasceu sabendo escrever e com um diário debaixo do braço.

Eu nunca fui à sua sepultura depois do seu enterro, papito. E nem sei se vou amanhã, ou se algum dia vou querer ir. Mas eu transformei o Rio na nossa cidade. E nós nunca estivemos juntos lá. Mas você me deu o Rio, primeiro me ensinado a coragem, e depois me dando suas lembranças. Pra mim, você era muito mais que o contato de emergência. Você era um lugar; muito mais que chão: era uma casa, um lar, paredes, teto, ranger de armadores, xícara suja de café esquecida sobre a mesa. Eu não preciso de contato de emergência. Nem preciso da sua sepultura. Muito menos preciso comprar mais um pijama pra ouvir sua gozação: "pijama de novo!!!" Eu tenho o Rio pra voltar. Eu tenho você tão vivo ali pra mim. Mesmo que parte dessa história eu tenha que adivinhar. Obrigada por me dar o Rio, papito. Feliz dia dos pais.

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