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terça-feira, 22 de maio de 2012

Para uma amiga catadora de estrelas

Com olhos doces, ele dizia: “Então, você vai ou não vai fazer o que te pedi?” Ela relutava, achava bobagem, dizia que perderia tempo com isso. Mas ele insistia: “Nunca te peço nada. Custa alguma coisa fazer isso?” Ela mudava de assunto. Ele achava um jeito de encaixar de novo seu pedido no meio da conversa banal. Ela, pra encerrar o assunto, acabava cedendo: tomava empuxo, dava um enorme salto, saia flutuando até o céu e voltava com as mãos em concha, trazendo a prenda pedida. Ele, vaidoso e feliz, colava a estrela a sua farda, e a exibia cheio de orgulho.


Noite após noite, o ritual se repetia, embora ele sempre alegasse que nunca pedia nada. Até que, em uma noite particularmente fria, ele lançou mais uma vez o olhar doce sobre ela. Já meio cansada da brincadeira e com a preguiça que mora embaixo das cobertas colada à sua pele, ela já ensaiava dizer não. Mas dessa vez não era uma estrela o que ele queria. Apesar do aspecto etéreo, ele padecia da mais mundanda das necessidades: tinha sede, uma sede daquelas que parecem não cessar nem com toda a água do Amazonas descendo goela abaixo.

- Um copo d’água? É só isso que você quer?
- Uma jarra seria melhor.
- Mas nesse frio... Não saio mais debaixo desse cobertor, não!                                                        
Ele insistiu. Ela negou. Ele pediu mais uma vez. Ela fingiu que não ouvia. Ela virou pro lado e dormiu, abraçada com sua preguiça. Ele virou fera e sumiu, abraçado com sua carência.

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