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sábado, 3 de maio de 2008

Memória Seletiva

Não confio nos meus olhos. E não só por serem míopes, mas por obedecerem mais ao meu coração que ao meu cérebro. Vêem o que querem, e quando não querem assumem meus muitos graus de miopia, mesmo que eu esteja de lentes. Foram esses olhos míopes que me fizeram ver um mesmo rosto em vários rostos diferentes, há muito tempo atrás, entre carros estacionados e uma multidão de pessoas que passava apressada. Nunca esqueci esse fenômeno, talvez por ter permanecido inédito.
Menos ainda que meus olhos, confio na minha memória. É bem verdade que ela não me falha ao guardar letras de músicas, pedaços de poemas e trechos inteiros de livros que li, além tatuar em meu cérebro frases completas, com entonação, timbre e sotaque, com voz encorpada e meio falha pelo acordar recente. Nisso minha memória não me falta.
Mas as expressões, o rosto, aquele detalhe entre o pescoço e o peito, aquele formato específico do nariz, os vincos na testa... Esses vão embora com o tempo, e tentar resgatá-los no HD displicente da minha memória só traz angústia. Talvez por isso, eu tente sempre examinar detalhadamente cada pedaço do seu rosto, esquadrinhá-lo de modo a não esquecer nem mesmo aqueles cravinhos pretos do nariz, que fazem com que ele pareça um morango.
Outro dia alguém comentava sobre o fato de ter o lóbulo da orelha pregado, e a discussão (em mesa de bar, obviamente. Onde mais uma discusão dessas aconteceria?) enveredou sobre os fatores genéticos de tal característica, o que era recessivo, o que era dominante, e quem tinha o lóbulo como. Que susto levei! Não sei como é o lóbulo da sua orelha. Será solto ou pregado? E que diferença mesmo isso faz se não sei mais nada sobre você?

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