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domingo, 11 de maio de 2008


O bebê da foto sou eu com alguns meses de vida. A mulher é minha mãe, com a idade que tenho hoje, 30 anos. Bem poderia ser eu, com um dos meus filhos no braço. Há quem me ache parecida com meu pai, mas as estatísticas mais confiáveis apontam mesmo para um semelhança esmagadora com dona Conceição, fruto do gene Mesquita, forte como o temperamento das mulheres da família.

Sou a terceira de quatro filhos, mas a primeira e tão esperada mulher, o que sempre me conferiu um certo status de nobreza na hierarquia familiar. Não que eu tenha sido planejada: na verdade, eu não poderia ter nascido em hora pior! Meus pais estavam de mudança para Porto Alegre, pra encarar mestrado, com dois filhos de 2 e 4 anos, nunca época em que não havia as promoções da TAM ou da Gol e o Rio Grande do Sul era praticamente outro país: não havia caos aéreo, mas praticamente não havia vôos para essas bandas, e os que havia eram cheios de escalas e conexões, além de caríssimos.

Pois bem. Reza a lenda que minha mãe teve um crise de choro quando soube que estava grávida de mim. Com sua tendência a transformar formigas em dragões, disse que não ia mais ao mestrado e pronto! Puro misencene. Com os providenciais conselhos do Dr. Olavo, obstetra e tio do papai, acabaram embarcando para a aventura nos Pampas Gaúchos, comigo na primeira classe - seu útero.

Em julho, bem no meio do inverno gaúcho, eu resolvi nascer, numa tarde fria de domingo. Muito do que sei desse dia me foi contado pela tia Helena, irmã da mamãe que se despencou do Rio de Janeiro para ajudá-la na "boa hora". Mamãe teve partos normais, rápidos e praticamente indolores. "É melhor que tratamento de canal", diz ela, se referindo às quatro vezes em que pariu, denunciando suas origens indígenas. Mas a médica de Porto Alegre não sabia dessa caracterísitca peculiar da parturiente que praticamente cuspia as crianças pra fora do corpo na hora certa. Já na sala de pré-parto, minha mãe avisava ao médico residente que seus partos eram muito rápidos e que ela estava sentindo que eu já ia nascer. Ele não dava ouvidos. Ela repetia que estava chegando a hora. Ele repetia que ela se aclamasse. Uma outra mulher em trabalho de parto gritava ao lado dela. Minha mãe pedia que ELA se acalmasse e poupasse suas forças para a hora em que fosse precisar delas. Certa hora, minha mãe chamou a tia Helena e avisou que eu estava nascendo mesmo. Minha tia viu minha cabeça cabeluda e não sabia se me aparava ou se chamava o médico. Optou pela segunda alternativa, e teve que arrancar o jornal da cara dele pra que ele entendesse a urgência da situação. O fato é que nasci no colchão macio da cama do pré-parto e praticamente sem ajuda: quando os médicos chegaram só tiveram que cortar o cordão e me limpar.

Diferente de minha mãe, nunca tive partos normais e acredito que nem toda a terapia do mundo vai me aliviar essa frustração. O Pedro, meu filho mais velho, enrolou o cordão em volta do pescoço e teve que ser tirado às pressas, pois a gravidez já estava passando do tempo e eu estava em trabalho de parto avançado. A médica sentenciou que teria que usar o fórceps se eu recusasse a cesariana. Passaram a faca.

Quase sete anos depois, grávida do Zé Luiz, a médica me convence que não vale a pena insistir em parto normal porque eu poderia ter uma ruptura de útero, já que havia feito uma cesárea. Ouvi uma segunda opinião, e acabei aceitando a cesárea. No terceiro filho, Antonio, não havia mais nada a discutir: era cortar e pronto!

Mas se tem uma coisa que invejo na minha mãe foi ela ter expulsado cada um de nós de dentro dela, como todo animal deve fazer. Não invejo os títulos, a inteligência, a sabedoria, o senso prático como invejo o saber parir. Não invejo os cabelos pretos aos 60 anos nem o peso que se mantém o mesmo há anos como invejo seu desprendimento animal ao nos parir. Confesso que por muito tempo me senti mãe pela metade por não ter parido assim, parido literalmente, e até hoje ainda tenho um pouco de vergonha de falar que meus filhos nasceram através de cirurgia.

"Quem pariu Mateus que o embale", diz a Bíblia. E quem não pariu, saberá embalar?

Um comentário:

Eulália Vasconcelos disse...

Existe sim! Vou postar mais uns 4 textos hj. E você? Hehehehehe!!! A gente tem atualizado até no mesmo dia. Parece até combinado!