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terça-feira, 9 de novembro de 2010

Shhhhhhhhh

- Bichinha, dois calos, viu? Acho que dessa vez você vai pra faca.
Foi isso que o adorável médico me disse enquanto eu vomitava, depois de fazer a videolaringoscopia.
- Como assim, dr.? Não dá pra fazer fono?
- Até daria. Mas você tem que fazer repouso de voz, e levar as sessões a sério. Você já me disse na consulta passada que não tem tempo pra frequentar fono e nem condições de fazer repouso, né?
É, eu disse. E disse o mesmo dois anos atrás quando fui parar no mesmo médico pelo mesmo problema: começo a semana cheia de voz, e depois vou perdendo aos poucos, a ponto de não conseguir nem cantar baixinho pros meninos dormirem. Na sala de aula, tusso o tempo inteiro. Eu sei, isso é mau uso da voz. Eu fiz fono um tempo, eu aprendi a respirar e a impostar a voz. Eu me senti ótima e dona de uma voz potente. Até tudo voltar agora.
Ao longo da conversa com o médico, entendi que a frase inicial dele era puro terrorismo: posso, sim, recuperar minha voz sem entrar na faca. Mas vou ter que dar um jeito de usá-la o mínimo possível. Visto que sou professora, não sei como farei isso. Visto que eu sou tagarela, acho que vou enlouquecer. Eu falo o que eu penso e o que não penso. Eu falo o que sinto quase sempre. E quando não falo é mau sinal. A verdade é que eu falo muito e o tempo todo. Achando pouco falar o dia inteiro, ainda falo dormindo. Como é mesmo, doutor, que eu faço pra ficar calada?
Combino de voltar na próxima semana e marcar as sessões de fono. E prometo beber água durante as aulas, usar a voz o mínimo, pendurar um patuá gigante no pescoço, fazer promessa pra Nossa Senhora Desatadora dos Nós, desde que eu não precise entrar na faca.
Quando eu já ia saindo do consultório, o médico lembra:
- Bichinha, faça silêncio, viu?
Eu faço, sim, doutor. O senhor nem imagina o tanto de calos que essa história de falar demais tem me causado. O senhor nem imagina. Agora eu quero é ficar bem caladinha.

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